A noite em que Madrid parou

14:31

Não, não se trata da sequela do filme "O dia em que a Terra parou", onde Keanu Reeves protagoniza o papel de um ser alienígena que aterrou no planeta azul com a missão de alertar os humanos que a forma como se regiam estava a matar o globo terrestre. Neste caso trata-se de um jogador de futebol, que aterrou em Madrid para ser glorificado por uma multidão de 80 mil adeptos "merengues", eufóricos com a apresentação do português no mítico Santiago Bernabéu.
Foi de facto um espectáculo arrepiante, em todos os sentidos. Se por um lado, ver um português mobilizar tamanha massa de adeptos no dia da sua apresentação é algo de relevante, por outro ser obrigado a pactuar com esta manifestação de luxúria e glorificação de um simples ser humano é algo de inadmissível.
Como espectador de futebol, e parte integrante do mundo capitalista em que vivemos, não pactuo com a podridão intelectual que questiona o valor da transferência do capitão da selecção nacional. Muito menos quando uma das pessoas que se juntou ao 'movimento' dá pelo nome de Luís Figo, jogador que admirei pelo profissionalismo mas nem tanto por algumas contradições opinativas reveladas ultimamente. A verdade é que o processo negocial se desenrolou entre duas instituições privadas, que acertaram a transacção de um activo, tendo o desfecho agradado às duas partes, por motivos bastante diferentes.
O que não consigo entender é o porquê de tamanho 'circo mediático' em torno de uma mera apresentação, aos sócios do Real Madrid, de um jogador que, apesar de ser português, não passa disso mesmo, um profissional de futebol. E se canais como a SIC e TVI, devido ao estatuto de privado que detêm, têm total legitimidade de transmitir, durante o tempo que assim entenderem, o espectáculo degradante que foi a apresentação de Ronaldo, já a RTP1, pelo cariz público que possui nos seus estatutos, deveria ter tido maior contenção no tempo de transmissão da cerimónia. No total, foram quase 30 minutos, em que para além dos gritos histéricos dos adeptos madrilenos e das palavras vagas de Florentino Perez, se viu um Ronaldo, visivelmente satisfeito com tamanha adoração, como se de um deus se tratasse, a falar um luso-castelhano, no mínimo, rudimentar.
Porém, e como tenho vindo a constatar durante o dia-a-dia da vida, as pessoas têm aquilo que querem, e merecem. O problema é que, por vezes, essas pretensões chocam com as mais elementares preocupações sociais e económicas, de um mundo que caminha para a sua própria auto-destruição, tal como a película "O dia em que a Terra parou" o mostra, com um realismo preocupante. Uma globalidade onde a luxúria, a ostentação de poder e o exibicionismo público serão pilares centrais, tal como hoje ficou, mais uma vez, demonstrado.
Rui Almeida Santos

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